Contar o Tempo
Ciclo de Cinema
 
 
O programa “Contar o Tempo assenta nessa característica das imagens em movimento e sons que permite transformar o tempo em duração e no paradoxo que contrapõe os pontos fixos da memória ao fluxo da passagem das coisas.

O ciclo é constituído por diversos filmes e por percursos entre eles que reflectem sobre a questão do tempo no cinema. Os filmes apresentados constituem registos directos da experiência do tempo, lamentações pela sua passagem, registando e fixando aquilo que é, simultaneamente, permanente e transitório na actividade humana (e suas consequências), nos tempos da Terra, nas cronologias várias do trabalho, dos objectos e dos lugares.

O cinema na sua evidente relação com o tempo cria antes de mais uma experiência da materialidade efectiva da sua passagem: uma duração, um peso, uma espessura que apenas se dilui na vastidão - fora do tempo - que tudo consome.

É uma ideia possível de cinema que passa, a de um cinema que, ao mesmo tempo que fixa o tempo num bloco discernível e afirma a sua transitoriedade, abre fendas e cria obstáculos à sua passagem através da poética e dos mecanismos que lhe são próprios. São filmes sobre a memória das coisas, do fabrico dos objectos, ficções sobre a mitologia, retratos de lugares e do rasto do tempo que neles permanece.
Outubro

Cinemateca Portuguesa
R. Barata Salgueiro, 39
1269-059 Lisboa

T +351 213 596 200

Metro: Avenida, Rato
Autocarro: 758,773


info —
Programa detalhado
http://contar-o-tempo.blogspot.com



 
sessão 1 —
02 OUT | 21:30 | SALA DR. FÉLIX RIBEIRO


BRITANNICA
de John Latham. Grã-Bretanha, 1971 - 6 min / 16 mm / sem diálogos

SPIRAL JETTY
de Robert Smithson. Estados Unidos, 1970 - 32 min / 16 mm

CASTING A GLANCE
de James Benning. Estados Unidos, 2007 - 80 min / 16 mm / sem diálogos

BRITANNICA, o pequeno filme que abre a sessão, desafia a nossa velocidade de leitura e de assimilação do conteúdo da famosa enciclopédia homónima, interrogando o conceito do tempo. Seguem-se dois retratos da Spiral Jetty, marco da land art, construída por Robert Smithson na margem do Great Salt Lake, no Utah, em 1970. O primeiro filme, realizado pelo próprio Smithson, descreve a evolução da “jetty”, abordando um conjunto de questões centrais para o seu trabalho. Benning, grande admirador de Smithson, retomará o mesmo motivo 37 anos depois, revelando a passagem do tempo sobre esta obra. Mas, contrariando as nossas expectativas, CASTING A GLANCE apresenta a particularidade de, sob a aparência do registo de um tempo real dilatado na duração, construir um tempo imaginário que simula a própria passagem do tempo.

PHOTO: SPIRAL JETTY
SPIRAL JETTY / ROBERT SMITHSON / © COLECÇÃO CINEMATECA PORTUGUESA - MUSEU DO CINEMA



 
sessão 2 —
07 OUT | 22:00 | SALA LUÍS DE PINA


LA RÉGION CENTRALE
de Michael Snow. Canadá, 1971 - 180 min / 16 mm / sem diálogos

Numa região deserta no Canadá uma câmara, dirigida por um braço mecânico, gira incessantemente em múltiplas direcções, registando, a diferentes velocidades, a paisagem que a rodeia. Este é o mais célebre filme de Michael Snow e aquele em que o realizador leva mais longe a concepção de automatismo cinematográfico, aqui materializada sob a forma de um autêntico “olho automático” que conduz uma descrição exaustiva da paisagem.

PHOTO: LA RÉGION CENTRALE
LA RÉGION CENTRALE / MICHAEL SNOW / CORTESIA DO ARTISTA, LUX LONDON



 
sessão 3 —
09 OUT | 22:00 | SALA LUÍS DE PINA


TUDZHI (A FORNALHA)
de Otar Iosseliani. União Soviética, 1964 - 20 min / 35 mm / sem diálogos

LES RENDEZ-VOUS DU DIABLE
de Haroun Tazieff. França, 1959 - 80 min / 35 mm

A plasticidade do metal fundido e a melancolia que domina este curioso filme marcará também TUDZHI, documentário que descreve a violenta actividade de um fábrica metalúrgica da cidade de Rustavi, na Geórgia. Em LES RENDEZ-VOUS DU DIABLE, terceira variação sobre o tema do fogo e das chamas que completa a sessão, o olhar do vulcanólogo Haroun Tazieff dirige-se para a beleza de alguns dos vulcões activos mais famosos da Europa.

 



 
sessão 4 —
13 OUT | 19:30 | SALA LUÍS DE PINA


TUTUGURI – TARAHUMARAS 79
de Raymonde Carasco e Régis Hébraud. França, 1980 - 25 min / 16 mm

EKSOPRAGMATICO (FORA DA REALIDADE)
de Stavros Tornes. Argumento: Stavros Tornes, Charlotte van Gelder; Imagem: Stavros Tornes; Montagem: Stavros Tornes, Charlotte van Gelder; Som: Nico d’Alessandria; Música: Charlotte van Gelder. Itália, 1979 - 40 min / 16 mm

BALAMOS
de Stavros Tornes. com Stavros Tomes, Salil Salil, Kyriakos Vilanakis, Enzo Attingenti, Christos Karagoutas, Helen Maniati, Mitsos Angelakopoulos, Constantine Pangalos. Grécia, 1982 - 82 min / 35 mm (filmado em 16 mm)

Apresentação do ritual do Tutuguri, repetido seis vezes num tempo controlado, ao qual se juntam as palavras de Antonin Artaud, onde “a montagem constrói a partir de um plano os dois pólos do tempo real e de um espaço tempo dilatado a partir de um material duplo: Tutuguri e Carreras (corridas masculinas, chamadas “de bola” e femininas, ditas de “aro”, específicas do povo dos Tarahumaras, que a etimologia declara como o “do pé que corre” (Raymonde Carrasco). EKSOPRAGMATICO, o último filme realizado por Stavros Tornes em Itália antes de regressar à Grécia, revela-se como um lamento sobre a passagem do tempo, enquanto BALAMOS retomará esta questão ao debruçar-se sobre um tempo sem tempo. Balamos é um homem que vagueia num mundo fantástico onde a cronologia perdeu todo o sentido. Dedicamos esta sessão à memória de Raymonde Carasco, falecida em Março passado.

PHOTO: BALAMOS
BALAMOS / STAVROS TORNES



 
sessão 5 —
15 OUT | 21:30 | SALA DR. FÉLIX RIBEIRO


AM SIEL
de Peter Nestler. Alemanha, 1962 - 13 min / 16 mm

L’ITINÉRAIRE DE JEAN BRICARD
de Jean-Marie Straub e Danièle Huillet. França, 2008 - 40 min / 35mm

AM SIEL, o primeiro filme de Peter Nestler, é uma obra conduzida por uma voz pouco convencional - a de um velho dique – que narra a história da sua terra. Jean Bricard nasceu em 1932 em Basse-Pierre, no Loire. Antes de se reformar em 1992, foi responsável por uma empresa de extracção de areia na Ile Verte, face a Ancenis (no Loire Atlântico). L’Itinéraire de Jean Bricard foi filmado no dia 24 de Fevereiro de 1994, depois de duas entrevistas sobre a história da sua vida publicadas por Jean-Yves Petiteau, investigador no CNRS, na revista da École de Beaux-Arts de Nantes, Interlope la curieuse, n.º 9-10, Junho de 1994.
L’ITINÉRAIRE DE JEAN BRICARD é um documento, uma reflexão sobre o território, uma lição de História e uma história de fantasmas... O cinema, como alguém disse, é a última forma de história oral e este filme toma isso literalmente. Numa ilha no Loire existiu outrora vida, pessoas que trabalhavam, resistiram, produziram vinho e viveram do rio. O filme é um testemunho terno daquilo que ainda há para ver e para experimentar, e acerca do modo como o espaço se transforma em tempo.

PHOTO: AM SIEL
AM SIEL / PETER NESTLER / © PETER NESTLER



 
sessão 6 —
16 OUT | 19:30 | SALA LUÍS DE PINA


LA ROSIÈRE DE PESSAC 79
de Jean Eustache. França, 1979 - 67 min / 16 mm

LA ROSIÈRE DE PESSAC 68
de Jean Eustache. França, 1968 - 65 min / 16 mm

Eustache filmou a festa tradicional da cidade onde nasceu, Pessac, no registo do cinema directo, uma primeira vez em 1968 e de novo em 1979: conhecida como La Rosière de Pessac, a festa é um ritual que remonta ao século XVII, envolvendo a comunidade na escolha da rapariga mais virtuosa da população local, título que a eleita mantém durante um ano até que o ritual se repita e nova escolha seja feita. Onze anos depois da primeira versão, LA ROSIÈRE DE PESSAC 68, LA ROSIÈRE DE PESSAC 79 dá simultaneamente conta da história francesa a partir da observação de um microcosmos e do fascínio do realizador pelos cerimoniais. Numa entrevista aos Cahiers du Cinéma, em 1979, Eustache manifesta um desejo de programação que esta sessão recupera em retrospectiva: “Gostava que os dois filmes fossem mostrados juntos: primeiro o de 79, seguido do de 68”. Assim faremos.

PHOTO: LA ROSIÈRE DE PESSAC 79
LA ROSIÈRE DE PESSAC 79 / JEAN EUSTACHE / © COLECÇÃO CINEMATECA PORTUGUESA - MUSEU DO CINEMA




 
sessão 7 —
20 OUT | 19:30 | SALA LUÍS DE PINA


AM SIEL
de Peter Nestler. Alemanha, 1962 - 13 min / 16 mm

MÜLHEIM/RUHR
de Peter Nestler. Alemanha, 1964 - 14 min / 16 mm

VÄNTAN (A ESPERA)
de Peter Nestler. Suécia, 1985 - 6 min / 16 mm

DIE NORDKALOTTE (A CALOTA POLAR)
de Peter Nestler. Alemanha, 1990-91 - 90 min / 16 mm

Um programa composto por um conjunto de pequenos filmes realizados por um dos mais interessantes documentaristas alemães da actualidade. AM SIEL é uma obra conduzida por uma voz pouco convencional - a de um velho dique – que narra a história da sua terra. Em MÜLHEIM/RUHR Nestler leva-nos numa viagem através das minas da zona do Ruhr, cuja montagem acentua o contraste entre a vida nas zonas operárias e a irrupção do novo. VÄNTAN parte de um conjunto de imagens fotográficas e presta um tributo às vítimas de um desastre mineiro na Silésia. Em DIE NORDKALOTTE o cineasta afasta--se da sua terra natal e aponta os efeitos nefastos da industrialização nas florestas, lagos e nos povos da Lapónia. Um conjunto de filmes assumidamente politizados que se erguem contra o esquecimento e apontam para a necessidade de mudança.

PHOTO: DIE NORDKALOTTE
DIE NORDKALOTTE / PETER NESTLER / © PETER NESTLER




 
sessão 8 —
21 OUT | 22:00 | SALA LUÍS DE PINA


SEM NEN KIZAMI NO HIDOKEI: MAGINOMURA MONOGATARI
(A ALDEIA DE MAGINO: UM CONTO)

de Shinsuke Ogawa. com Hijikata Tatsumi, Miyashita Junko, Tamura Takahiro, Kawarasaki Choichiro, Ishibashi Renji. Japão, 1986 - 222 min / 16 mm / legendado em inglês

O colectivo Ogawa instalou-se em aldeia de Magino a convite dos respectivos habitantes e com eles cultiva o arroz ao mesmo tempo que regista a sua memória, restituindo-a através da filmagem da palavra dos mais velhos, que transmitem a tradição oral de geração em geração, ou mesmo de recriações ficcionais. Uma obra única e complexa que resulta do trabalho feito pelo colectivo Ogawa durante treze anos de experiência comunitária nos arrozais que rodeiam a aldeia Magino. A revelação do quotidiano e história de uma comunidade, cujos ritmos se espelham no ritmo do próprio filme.

PHOTO: SEN NEN KIZAMI NO HIDOKEI: MAGINOMURA MONOGATARI
SEN NEN KIZAMI NO HIDOKEI: MAGINOMURA MONOGATARI / OGAWA SINSUKE / 1986



 
sessão 9 —
23 OUT | 19:30 | SALA LUÍS DE PINA


FAREWELL TOPSAILS
de Humphrey Jennings. Grã-Bretanha, 1937 - 9 min / 35 mm

LES VOITURES D’EAU
de Pierre Perrault. Canadá, 1969 - 110 min / 35 mm

FAREWELL TOPSAILS é um documentário nostálgico que regista o desaparecimento dos barcos à vela, acompanhando a progressiva substituição dos modos de produção considerados arcaicos por modos de produção industrializados. LES VOITURES D’EAU centra-se num outro tipo de barcos, também eles ameaçados pelo correr do tempo: as pequenas embarcações fabricadas manualmente pelos habitantes da Ile-aux-Coudres, que constituem o seu principal meio de locomoção.

PHOTO: LES VOITURES D’EAU
LES VOITURES D’EAU / PIERRE PERRAULT / © COLECÇÃO CINEMATECA PORTUGUESA - MUSEU DO CINEMA



 
sessão 10 —
27 OUT | 22:00 | SALA LUÍS DE PINA


EUREKA
de Ernie Gehr. Estados Unidos, 1974 - 30 min / 16 mm

HELSINKI, IKUISESTI (HELSÍNQUIA, PARA SEMPRE)
de Peter von Bagh. Finlândia, 2008 - 75 min / BETA SP

EUREKA assenta num trabalho de refilmagem de um filme mudo que retrata Market Street em São Francisco, na passagem para o século XX. Gehr, é um dos mais importantes realizadores norte-americanos, dará nova vida a este longo plano sequência registado a partir de um eléctrico, mediante a dilatação da sua duração ao nível dos fotogramas e uma exacerbação dos contrastes da imagem. Recorrendo também a imagens já existentes, o filme de Peter von Bagh é um retrato de Helsínquia e da sua história assente na montagem de excertos de inúmeros filmes finlandeses que cobrem cerca de cem anos. Dois trabalhos arqueológicos que fazem ressuscitar outros filmes, mas também as sombras e as forças de outros tempos.

PHOTO: HELSINKI FOREVER
HELSINKI FOREVER / PETER VON BAGH / © CITY OF HELSINKI CITY MUSEUM



 
sessão 11 —
28 OUT | 22:00 | SALA LUÍS DE PINA


BOSTON FIRE
de Peter Hutton. Estados Unidos, 1979 - 8 min / 16 mm / mudo

NEW YORK NEAR SLEEP FOR SASKIA
de Peter Hutton. Estados Unidos, 1972 - 10 min / 16 mm / mudo

NEW YORK PORTRAIT II
de Peter Hutton. Estados Unidos, 1980-81 - 16 min / 16 mm / mudo

IN TITAN’S GOBLET
de Peter Hutton. Estados Unidos, 1991 - 10 min / 16 mm / mudo

STUDY OF A RIVER
de Peter Hutton. Estados Unidos, 1996-97 - 16 min / 16 mm / mudo

TIME AND TIDE
de Peter Hutton. Estados Unidos, 2000 - 35 min / 16 mm / mudo

Sessão composta por seis retratos contemplativos de diferentes paisagens da autoria de um cineasta cuja estética se aproxima da imagens fixa. Recorrendo a justaposições de sombra e movimento NEW YORK NEAR SLEEP FOR SASKIA examina as pequenas variações luminosas na cidade, BOSTON FIRE explora as beleza das nuvens negras geradas por um violento incêndio, e NEW YORK PORTRAIT II corresponde à segunda parte de um extenso retrato de Nova Iorque. Abandonando as paisagens urbanas, IN TITAN’S GOBLET constitui uma homenagem à pintura paisagista de Thomas Cole. STUDY OF A RIVER, por sua vez, revela-se como a primeira parte de um retrato do rio Hudson filmado durante dois anos, um trabalho que será prolongado em TIME AND TIDE, cuja primeira secção parte de imagens fotografadas por Billy Bitzer.

PHOTO: BOSTON FIRE
BOSTON FIRE / PETER HUTTON / © PETER HUTTON



 
sessão 12 —
30 OUT | 22:00 | SALA LUÍS DE PINA


KEEP IN TOUCH
de Jean-Claude Rousseau. França, 1987 - 25 min / 16 mm / sem diálogos

LES ANTIQUITÉS DE ROME
de Jean-Claude Rousseau. França, 1984–89 - 105 min / 16 mm / sem diálogos

Dois filmes que mobilizam a passagem do tempo no interior de um conjunto de quadros fixos. Em KEEP IN TOUCH encontramos o cineasta sentado num quarto em Nova Iorque, num compasso de espera.
LES ANTIQUITÉS DE ROME revela como cada lugar, cada quarto, cada monumento tem a sua própria geografia. Um trabalho lírico sobre a duração cuja intensidade é ampliada e ameaçada pelo seu suporte de origem, o super 8mm.

PHOTO: KEEP IN TOUCH
KEEP IN TOUCH / JEAN-CLAUDE ROUSSEAU / © COLECÇÃO CINEMATECA PORTUGUESA - MUSEU DO CINEMA