A escolha destes dois artistas prende-se com uma das missões da Galeria Cristina Guerra desde a sua fundação: a valorização e consequente internacionalização de artistas nacionais como Rui Toscano e a selecção de artistas de renome já consolidado no mercado e na história da arte como Lawrence Weiner. Nesta exposição apresentam-se obras destes artistas que se relacionam directamente com os conceitos de espaço, objecto e arquitectura, com eles interagindo de formas diferentes e particulares. Ambos partem de um binómio arte/vida que resulta de uma reinterpretação do mundo que os rodeia. A capacidade de ambos recriarem e darem novas vidas aos meios tradicionais tais como a pintura e o desenho, entra, a nosso ver, em consonância com um projecto como a experimentadesign: o experimentalismo, a indefinida fronteira entre meios, a capacidade de inovar e, ainda, a relação com a existência contemporânea.

Rui Toscano, a partir do recurso a diferentes media (escultura, som, vídeo, instalação, desenho) tem revelado, ao longo do seu percurso, uma enorme capacidade de abertura a diferentes potencialidades criativas, dentro dos sistemas de referência e soluções formais. Desde há algum tempo que as suas séries têm como enfoque a paisagem urbana que é transformada em desenhos, ficcionando-as. Para este artista, que se pode definir como verdadeiro “cidadão do mundo” ou inquisidor da contemporaneidade e dos dispositivos urbanos, a cidade torna-se um manancial de formas e perspectivas que se oferecem à criação ou, melhor dizendo, à recriação. Inspirando-se em São Paulo ou Lisboa, Toscano explora, sistematicamente, as diferenças de escalas entre as diferentes urbes e a forma como estas influenciam a dimensão existencial dos indivíduos nelas situados.
A sensibilidade deste artista para os elementos arquitectónicos, industriais e tecnológicos, que são posteriormente transformados num registo tradicional analógico como o desenho, actualizando-o como meio, permitem enquadrá-lo numa zona cujas fronteiras estão pouco definidas (característica da herança do hibridismo pós‐modernista) tais como arte e design, arquitectura e design ou arquitectura e arte (na forma específica da instalação).

Lawrence Weiner situa-se igualmente neste limbo, pese embora o facto de definir as suas instalações sempre como verdadeiras esculturas no sentido em que, preocupado com a materialidade da aparente abstracção das suas sentenças linguísticas ou comunicativas, oferece à contemplação objectos dispostos a sofrer os processos inerentes a qualquer execução artística. A saber: composição, organização no espaço, relação entre os elementos e preocupação com a materialidade. E supõe-se que serão assim vistos: como materiais dispostos à livre recepção e interpretação do observador. Fruto de uma enorme liberdade, a obra de arte é acolhida, sem restrições, no espaço, adaptando--se a ele, criando-o ou alterando-o radicalmente. À estética tradicional da produção e da representação substitui-se (ou melhor funde-se) uma estética da recepção e dos efeitos. A sua obra constitui-se na perspectiva de uma verdadeira dialéctica: da obra com a cultura, do autor com a obra, do autor com a cultura, da obra com o receptor, do autor com o receptor, do receptor com a cultura, numa interacção mais aberta e infinita de perguntas e respostas. É este diálogo que afirma a relação entre a arte, no seu sentido mais lato, com a própria vida.

Cristina Guerra Contemporary Art




André Romão

LAWRENCE WEINER

& From the Above, 2006
Linguagem + materiais referidos
Dimensões variáveis

Lawrence Weiner vive e trabalha entre Nova Iorque e Amesterdão. Para Weiner, a arte é um facto empírico que reflecte a relação dos objectos com outros objectos e destes com o ser humano. & From Above é um dos muitos exemplos da exploração da comunicação como objecto artístico que é acolhido por um lugar, transformando posteriormente esse espaço numa instalação disposta à livre interpretação. As suas obras primam por um minimalismo e uma economia de meios que, simultaneamente, releva um complexo jogo de significações e o coloca numa perspectiva conceptual que é contrariada pela enorme vontade objectual (ou objectiva) e afirmação “escultural”.
A seu respeito citamos Roland Barthes: «Neste texto ideal, as redes são várias e interagem, sem que nenhuma delas seja capaz de se sobrepor às outras; este texto é uma galáxia de significantes, não uma estrutura de significados; não tem um início; é reversível; acedemos a ela por diferentes entradas, nenhuma das quais podendo ser considerada como a principal; os códigos que ela mobiliza estendem-se tão longo como os olhos podem alcançar; o sistema de significado pode tomar conta deste texto absolutamente plural, mas o seu número nunca é fechado, porque é baseado na infinitude da linguagem».1
André Romão

RUI TOSCANO
To the Mountain Top, 2004
Vídeo, PAL, p/b, som, 10’ 55’

Rui Toscano nasceu em Lisboa, onde vive e trabalha. Nos seus vídeos, esculturas sonoras ou desenhos, a paisagem – seja urbana, seja numa dimensão cosmológica – afirma-se enquanto campo preferencial na exploração da percepção e na construção da imagem. O motivo destes desenhos, cuja série surge a partir de 2002, é a paisagem urbana de São Paulo. Mais precisamente, fragmentos de prédios. O modus operandi é característico de Toscano, tratando--se de registos a preto e branco, feitos com marcador de feltro, a partir de diapositivos que são enquadrados em novas composições. A reinterpretação destes elementos é feita através de um registo vídeo onde se executa um travelling de baixo para cima. Este movimento cria uma espécie de narrativa rítmica cujo som, que se transforma em material constitutiva da própria obra transmite a ideia de uma vivência industrial, transformando-se numa experiência perceptiva.
A alternância entre os ritmos lentos e acelerados do vídeo vão dotando a peça de uma característica musical que aproxima o artista do trabalho do DJ (video jamming), remixando os elementos que tem à sua disposição. A ascensão alucinante termina no céu acima destes edifícios, fazendo referência à megalomania das cidades actuais na construção de gigantes edifícios, como uma espécie de metáfora à ambição humana de alcançar um plano superior.




LAWRENCE WEINER

Nascido no Bronx em 1942, Lawrence Weiner frequentou o ensino público na cidade de Nova Iorque e passou o final dos anos cinquenta e início dos anos sessenta a viajar através da América do Norte (EUA e Canadá) e México. A primeira apresentação do seu trabalho realizou-se em Mill Valley Califórnia em 1960. Lawrence Weiner divide o tempo entre o seu estúdio em Nova Iorque e o seu barco em Amesterdão. Participa em projectos públicos e privados e exposições na Europa e Estados Unidos, mantendo que a Arte é um dado empírico das relações dos objectos com os objectos e destes com aos seres humanos, não dependendo de qualquer precedente histórico para lhe conferir utilidade ou legitimidade.
RUI TOSCANO

Rui Toscano (n. 1970) nasceu em Lisboa, onde vive e trabalha. Estudou Pintura no Ar.Co (Centro de Arte e Comunicação Visual) e Pintura e Escultura na FBAUL (Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa). Nos seus vídeos, esculturas sonoras ou desenhos, a paisagem – seja urbana, seja numa dimensão cosmológica – afirma-se enquanto campo preferencial na exploração da percepção e na construção da imagem. Desde 1993, o seu trabalho tem sido mostrado em exposições individuais e colectivas, em galerias, museus e espaços alternativos, dentro e fora de Portugal.




  1. Barthes, Roland, «Authors and Writers», Critical Essays, USA: Northwestern University Press, 1972, citação disponível em http://www.citi.pt/estudos_multi/rute_araujo/bibliografia.html