Em que instância arte e arquitectura se interpenetram de modo que esta última possa servir como ferramenta interpretativa de uma obra de arte?

Depois de um longo período de incerteza conceptual, hoje como nunca as artes plásticas e a arquitectura conciliaram-se como dois elementos de um diálogo interrompido. A arquitectura superou as exigências da especificidade cultural e conseguiu a liberdade de expressão que lhe permitiu desacorrentar-se do dogma do funcionalismo e da ideia oitocentista que a encerrava num exercício de atribuições primárias e teutónicas.

Tornou-se evidente que os artistas contemporâneos têm uma ideia arquitectónica da arte e que as artes plásticas se assumem não raras vezes como espaço analítico da arquitectura patenteando a sua evolução histórica e estilística, e que os arquitectos, por sua vez, têm uma visão artística da arquitectura. A arquitectura passou a propor soluções que reúnem estratégias artísticas enquanto o mote de grande parte da produção artística contemporânea se pode frequentemente relacionar com a arquitectura.
A arte entendida como meio que activa um determinado espaço dando resultado a uma interpenetração do objecto artístico com o espaço arquitectónico, desafiando a sua forma e estrutura, esmorecendo fronteiras e cruzando domínios. Em particular a escultura que interage de forma mais directa com a ordem e métrica arquitectónica criando um mundo de formas e volumes, definindo ou modificando o local onde é implementada.

Seja arquitectura moderna ou contemporânea, relação com o espaço físico e a sua ocupação, as diferentes obras da Galeria Filomena Soares aqui propostas são como dialectos de uma mesma língua, que de uma forma mais ou menos inequívoca nos remete para um determinado espaço físico.

Quando falamos em espaço referimo-nos ao espaço que a obra evoca ou apresenta mas também a um “outro espaço” que pode ser um espaço que não existe, um espaço invisível, um espaço imaginado ou um espaço que queremos construir.

Galeria Filomena Soares




Ângela Ferreira

ÂNGELA FERREIRA
Double Sided, 1996-2010
Edição 4 / 5
2 fotografias impressão light jet montadas em alumínio (1996-1997)
1 estante de madeira, 1 mesa de madeira e ferro e 2 livros
Fotografias 120x150cm (cada)
Estante: 132x130x34cm
Livros: Donald Judd - architecture, Architektur, Ostfildern-Ruit: Hatje Cantz, 2003 & Anne Emslie, The Owl House, Johannesburg: Viking, 1991; Ed. Peter Noever

Esta instalação encerra dois projectos expositivos realizados por Ângela Ferreira entre 1996/97 e que estabelecia uma relação entre dois lugares distantes geograficamente mas próximos pela paisagem: a “Owlhouse” em Nieu-Bethesda no deserto de Great Karoo na África do Sul, onde viveu e trabalhou a escultora Helen Martins (1897-1976) e a Chinati Foundation que o artista norte-americano Donald Judd (1928 – 1994) fundou numa pequena cidade no deserto de Chihuahua, Texas, e que transformou em local de residência e atelier.
Double Sided Parte I (1996), apresentado na Chinati Foundation consistiu numa instalação que recriava o interior da “Owlhouse” que durante décadas de actividade artística Helen Martins foi povoando com esculturas fantasiosas. Double Sided Parte II (1997), apresentado no Ibis Art Centre em Nieu-Bethesda, vila da artista africana, consistia numa instalação baseada no atelier de arquitectura do artista minimalista em Marfa.
“Double Sided, 1996-2010” não aspira a um estudo comparativo das duas obras mas apresentá-las em simultâneo com o objectivo de criar um espaço abstracto entre elas, dando ainda continuidade à investigação pós-colonialista que tem orientado os trabalhos de Ângela Ferreira relacionando arquitectos e artistas e afirmando em última instância o seu fascínio por diferentes histórias culturais, políticas e geográficas.
Considerando que as instalações realizadas no final dos anos 90 se afiguraram como acontecimentos temporários, subsistindo unicamente a sua documentação fotográfica, a obra adquire uma configuração distinta cada vez que é apresentada.
Helena Almeida

HELENA ALMEIDA
A Experiência do Lugar, 2001
Fotografia a preto e branco
129,5x211cm

Nesta peça, realizada para o projecto Experiência do Lugar, 10 locais da Universidade do Porto mostram 10 exposições de 10 artistas portugueses, organizado pela Sociedade Porto 2001 e comissariada por Miguel von Hafe Pérez e Paulo Cunha e Silva, Helena Almeida, sem contrariar os pressupostos da sua obra, confrontou o seu trabalho com o espaço da Faculdade de Ciências onde produziu e posteriormente expôs as 11 fotografias que fazem parte desta série.
Embora se revele evidente a relação que a artista estabeleceu com o espaço físico da sala da Faculdade de Ciências, manifestando uma indiscutível determinação em desconcertar os limites do campo de visão fixos pela objectiva da câmara fotográfica e a arquitectura do espaço, A Experiência do Lugar representa uma das escassas séries que a artista realizou fora do espaço do seu atelier. A sua obra está intrinsecamente relacionada com a arquitectura desse espaço, um local que frequentou desde criança - Helena Almeida elegeu como local de trabalho o atelier de Campo de Ourique que pertencera ao seu pai, o escultor Leopoldo Almeida - e que nas últimas décadas tem sido concomitantemente palco e protagonista das suas fotografias.
João Penalva

JOÃO PENALVA
Série “Khosoko-doro” (2006-2008)
Impressão de pigmento sobre papel Innova Natural White de 310g montado sobre alumínio, tinta, molduras de carvalho e vidro acrílico.
Edição de 3+1 P.A.
230x152cm (cada)

A série Kosokudoro, termo japonês para designar as vias rápidas elevadas e construídas sobre as avenidas perimetrais de Tóquio, foi iniciada em 2006. Combinando texto e imagem, a densidade do grão leva-nos a pressupor tratar-se de uma compilação de colagens de recortes de jornais ou uma recolha de imagens de filmes dos anos 60 quando na realidade todas as imagens são fotografias tiradas pelo artista in loco.
Em oposição à linguagem estritamente documental e arquitectónica das fotografias onde não são visíveis pessoas, os textos das legendas descrevem acontecimentos do dia-a-dia, conversas e meditações de transeuntes que circulam nas estradas e suas imediações. Histórias que levam o espectador a imaginar as cenas, suas personagens e a sentir a presença humana na paisagem arquitectónica de betão destas fotografias despovoadas.
José Pedro Croft

JOSÉ PEDRO CROFT
Sem título, 2009
Ferro galvanizado e vidro
180x210x130cm

A relação com a arquitectura tem sido uma constante na obra de José Pedro Croft, acompanhando as suas investigações e reflexões artísticas. O seu trabalho gravita em torno de questões e problemáticas subjacentes à escultura, na relação com o espaço envolvente. Esse diálogo da escultura com o espaço é perceptível na obra do artista sobretudo a partir dos anos 90, década em que surgem as esculturas de estrutura metálica com placas de vidro e espelho que interagem com o espaço, integrando-o e activando-o.
Os espelhos têm ainda a função de proporcionar uma identificação entre a obra e o espectador que, através dos enquadramentos, tem um papel determinante e activo na contemplação desta. O espectador vê-se assim frente a frente num jogo fortuito em que é confrontado com uma multiplicidade de realidades reflectidas que lhe facultam uma experiência de transitoriedade e relembram, por último, que aquilo que existe é, por natureza, acidental, passageiro e por isso efémero.
No caso desta escultura, através do vidro essas possibilidades existem de uma forma mais complexa e subtil, mediante o jogo de reflexos e transparências.




ÂNGELA FERREIRA

Ângela Ferreira (Maputo,1958) vive e trabalha em Lisboa. Formada na Michaelis School of Fine Art da Universidade do Cabo, a sua carreira internacional estende-se desde o início dos anos 90 entre a Europa e a África, onde tem participado em diversas exposições individuais e colectivas.
Das exposições individuais que realizou recentemente destacam-se: “Werdmuller Centre and other Works”, Michael Stevenson Gallery, Cidade do Cabo (2010); “Hard Rain Show”, Museu Colecção Berardo, “Hard Rain Show”, Centro de Arte Contemporânea La Crieé – Rennes (2008) e “For Mozambique”, Michael Stevenson Gallery, em 2008 e “Maison Tropicale”, Pavilhão de Portugal na 52ª Bienal de Veneza (2007).
Tem igualmente participado em inúmeras exposições colectivas em prestigiados centros culturais e galerias de todo o mundo, incluindo Graz, Sidney, Chicago, Barcelona São Paulo e Londres.
Publicado em vários livros e catálogos, o trabalho de Ângela Ferreira está representado em várias colecções públicas e privadas entre as quais CGAC - Centro Galego de Arte contemporânea e MEIAC em Espanha; Colecção António Cachola, Fundação Caixa Geral de Depósitos – Culturgest, Fundação Calouste Gulbenkian, Fundação PLMJ, Fundação de Serralves, Museu do Chiado e Fundação EDP em Portugal; Market Gallery Foundation, Michaelis School Of Fine Art Collection UCT, PHB Billiton Collection e The Johannesburg Art Gallery na África do Sul e Museion (Itália).
HELENA ALMEIDA
Helena Almeida (1934) nasceu em Lisboa, onde vive e trabalha. Estudou Pintura na Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa e em 1959 foi bolseira da Fundação Calouste Gulbenkian em Paris. Tendo realizado a sua primeira exposição individual de pintura no final dos anos 60, só na década de 90 começou a servir-se da fotografia como meio primordial para o registo de actos performativos no espaço do seu atelier. Desde então expõe regularmente em inúmeras exposições colectivas e individuais, um pouco por todo o mundo, incluindo Porto, 1995; Madrid, 1998; Áustria, 2003; Santiago de Compostela e Nova Iorque, 2000; Prémio PHotoEspaña, 2003; Centro Cultural de Belém, Lisboa, 2004; CAM, Lisboa, 2005; Fundação Telefónica, 2008, tendo representado Portugal na Bienal de São Paulo em 1979 e na Bienal de Veneza (1982 e 2005) e na Bienal de Sidney, 2004.
Mais recentemente o êxito da sua primeira exposição individual no Reino Unido - “Inside Me” na Kettle’s Yard da University of Cambridge (2009), posteriormente exibida na John Hansard Gallery da University of Southampton (2010) - veio atestar a consagração de um trabalho e percurso admiráveis.
As suas obras estão representadas nas mais importantes colecções portuguesas e internacionais, entre outras, Museu Nacional Centro de Arte Reina Sofia, Banco de Espanha, Fundación Arco, Colleción D’és Balluard, Fundação Coca-Cola, MUSAC, MACBA, Fundación Telefónica, MEIAC e CGAC em Espanha; BESart, Fundação Caixa Geral de Depósitos – Culturgest, FLAD, Fundação PLMJ, Fundação de Serralves, Fundação Calouste Gulbenkian, Museu do Chiado e Fundação EDP em Portugal; The National Museum of Western Art Tokio, Japão; Sammlung Verbund, Áustria e Musée d’Art Moderne Grand Duc Jean no Luxemburgo.


JOÃO PENALVA

João Penalva (Lisboa, 1949) vive e trabalha em Londres desde 1976, ano em que ingressou na Chelsea School of Art, onde se licenciou e concluiu o Mestrado em Belas-Artes (1976-1981). Professor na Academia de Arte de Malmö, Suécia, desde 2002, foi artista convidado do programa de residência da DAAD, Berlim, em 2003/04. Tendo representado Portugal na XXIII Bienal Internacional de São Paulo (1996) e na XLIX Biennale di Venezia (2001), expôs na I Melbourne International Biennial (1999), Berlin Biennale 2 (2001) e na Biennale of Sydney (2002). Das suas exposições individuais destacam-se, em 2010, Lunds konsthall, Suécia; Chiado 8 Arte Contemporânea e Galeria Filomena Soares, em Lisboa, e ainda Galeria Barbara Gross, Munique.
A título colectivo, integrou recentemente “Move: Choreographing You”, Hayward Gallery”, Londres; ‘What happens next is a secret’, Irish Museum of Modern Art, Dublin; “Broken Fall (Geometric)”, Galleria Enrico Astuni, Bolonha; Serralves 2009 – Obras da colecção, Porto; “A Mancha Humana”, CGAC, Santiago de Compostela; “Todas as Histórias”, Museu de Serralves, Porto; “Drawing a Tension — Obras da Colecção Deutsche Bank”, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, entre outras.
O artista está representado em importantes colecções: Arts Council Collection (Reino Unido); CAM, Museu do Chiado, Museu de Serralves e Banco Espírito Santo (Portugal); CGAC, Fundación Coca-Cola, Fundación ARCO e Banco de España (Espanha); Dresdner Bank (Alemanha); Fonds Régional d’Art Contemporain Languedoc-Roussillon e FRAC Champagne-Ardennes (França); Irish Museum of Modern Art (Irlanda); KIASMA (Finlândia) e Musée d’Art Moderne Grand-Duc Jean (Luxemburgo).
JOSÉ PEDRO CROFT

José Pedro Croft (Porto, 1957) vive e trabalha em Lisboa. Licenciado em Pintura pela Faculdade de Belas Artes de Lisboa, expõe regularmente desde 1981. Das exposições individuais que realizou na última década destacam-se, em 2009, Galeria Filomena Soares, Lisboa; Galería SENDA, Barcelona; Pinacoteca do Estado de São Paulo - Museu de São Paulo de Arte Contemporânea; em 2008, Pavilhão Centro de Portugal, Coimbra e Galeria Helga de Alvear, Madrid; em 2007, La Caja Negra, Madrid e Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa; em 2006, CAM, Lisboa; Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro e Museu de Arte da Pampulha, Belo Horizonte. Tem ainda integrado inúmeras exposições colectivas em prestigiados museus e galerias, tais como Es Baluard, Palma de Mallorca; Museu Colecção Berardo, Museu do Chiado, Museu da Cidade e Museu Nacional de Arte Antiga, Lisboa; Fundament Foundation, Tilburg; Art Allgarve’09, Loulé; MARCO, Vigo e Musée d’Art Moderne Grand-Duc Jean, Luxemburgo, entre outros.
O trabalho de José Pedro Croft está publicado em vários livros e catálogos e representado em diversas colecções, públicas e privadas, destacando-se: Museo Centro de Arte Reina Sofia, Centro Galego de Arte Contemporâneo, Coleccion Bienal de Escultura “Ciudad de Pamplona“, Fundación Caixa Galiza, MEIAC e Fundación La Caixa Barcelona (Espanha); Banco Central Europeu (Alemanha); Sammlung Albertina (Áustria); Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro (Brasil) e em Portugal na Fundação de Serralves, Colecção António Cachola, Museu Colecção Berardo, CAM - Fundação Calouste Gulbenkian, Colecção Caixa Geral de Depósitos e FLAD.