Ao desafio da experimentadesign para que seleccionássemos obras de artistas representados pela Galeria Graça Brandão que se relacionassem directa e intimamente com “o espaço, a arquitectura ou os objectos”, respondemos com À La Recherche du Temps Perdu, de Nuno Sousa Vieira, Sexta-feira, de Nuno Ramalho e Renato Ferrão, Drop e Sem Título, de João Galrão, Orgulho Ingenuamente Cruel, de Rui Chafes, e Prédio, de Mauro Cerqueira.

Individualmente, e de forma diferenciada, cada trabalho aqui apresentado é catalisador de uma dinâmica polinização entre arte, arquitectura e design; investigam as sobreposições e os espaços vazios entre estas três categorias (ou disciplinas) e, enquanto resultado final, incorporam-nas e expandem-nas. Não agindo como elementos desafiadores do espaço de um modo tradicional, criam sinergias instigadoras de uma nova aproximação e reavaliação por parte do espectador daquilo que o rodeia e, por consequência, da sua relação consigo próprio.

De uma biblioteca espera- se que contenha livros. De um livro, espera-se que seja lido. À La Recherche du Temps Perdu contraria duplamente esta nossa memória: a da utilização comum do espaço e a expectativa de leitura dos livros. Esta contrariedade, ou traição da memória, desempenha aqui um papel central; lembra--nos afinal que recordamos fragmentos do passado de forma diferente em momentos diferentes e que os detalhes aparentemente insignificantes acabam muitas vezes por revelar-se os mais importantes.

São também estes detalhes que se transformam em elementos potencialmente perturbadores e causadores de alguma perplexidade e interrogação a quem os encontra, em Sexta-feira; uma plateia vazia e sem orador, um espaço facilmente reconhecível e aparentemente inócuo ou controlado, conforto defraudado pela discreta inclusão do inesperado.
Os trabalhos de João Galrão actuam de forma invasiva mas, sinuosa e sensualmente, estabelecendo a perfeita osmose entre arte e espaço arquitectónico. Desenvolvem-se de forma silenciosa, quase imaterial, quase inesperadamente, como uma erva daninha que alastra ou uma dúvida que se instala, conduzindo, mas não obrigando, a um processo reflexivo sobre o carácter e função da obra de arte.

Também o posicionamento de Orgulho Ingenuamente Cruel é muito discreto; não há o sentido de ostentação brutal de poder ou de colonização inesperada de um lugar. O efeito desta intervenção é subtil e revela uma interacção autêntica e íntima com o ambiente e espaço envolventes e uma consciência sensível, bem como clara das suas qualidades escultóricas.

Correndo o risco de exagerada simplificação, de uma forma mais ou menos directa os artistas intervêm sobre o construído, acrescentam ao construído e apropriam-se dos seus materiais de construção.

Elaborado a partir de objectos encontrados no prédio onde se situa o atelier de Mauro Cerqueira ou recolhidos na zona envolvente, Prédio pretende ser uma maqueta do edifício, cartografia subjectiva da área onde este se insere; a precariedade, tensão e fragilidade demonstradas caracterizam a paisagem arquitectónica e social da Baixa do Porto actualmente.

A relação entre as três disciplinas é imemorial; obra de arte, espaço arquitectónico e objecto doméstico sempre interagiram, se influenciaram mutuamente, impulsionaram a sua criação e desenvolvimento, foram inspiração e companhia. Assim se demonstra e comprova nesta exposição.

Galeria Graça Brandão




João Galrão

JOÃO GALRÃO
Drop, 2007
Madeira, tecido elástico, gaze, massa mineral, tinta acrílica e verniz
120x33x26cm

João Galrão

JOÃO GALRÃO
Sem Título, 2003
Madeira, massa universal, esmalte acrílico
100x45x45cm

Efabulação formal e sensual, estabelecem a perfeita osmose entre espaço e arquitectura, de forma invasiva mas silenciosa, quase imaterial, conduzindo, e não obrigando, a um processo reflexivo sobre o carácter e função de cada obra.
Mauro Cerqueira

MAURO CERQUEIRA
Prédio, 2010
Madeira e copos de vidro
73x130x19cm

Construído a partir de objectos recolhidos no prédio onde se encontra o atelier do artista e a zona envolvente, a peça pretende ser uma maqueta deste prédio, encerrando em si algumas características do edifício e, simultaneamente, integrando-o no contexto da baixa do Porto. Precariedade, tensão e fragilidade são algumas dessas características.
Nuno Ramalho + Renato Ferrão

NUNO RAMALHO + RENATO FERRÃO
Sexta-feira, 2006
Cadeiras em madeira
Dimensões variáveis

Sexta-feira é uma plateia vazia e sem orador onde, num quadro convencionalmente ordenado, se produzem efeitos de distorção.


Nuno Sousa Vieira

NUNO SOUSA VIEIRA
À la recherche du temps perdu, 2006
Livros e MDF
6,5x100x24cm

Como a narrativa original, a obra funde passado e presente, divagando sobre tempo, memória e duração: o tempo vivido e a impossibilidade da sua recuperação.
A memória desempenha aqui um papel central; recordamos fragmentos do passado de forma diferente em momentos diferentes e os detalhes aparentemente insignificantes acabam por revelar-se os mais importantes.
A fragmentação/parcelamento dos sete volumes representa o tempo que se vive e o tempo que já não nos pertence, perda reforçada pela impossível leitura de qualquer destes volumes.
Rui Chafes

RUI CHAFES
Orgulho Ingenuamente Cruel (para Eva Klabin), 2007
Ferro
97x60x81cm

Duas sombras: a que percorre a casa no silêncio da noite e a que se instala na cidade quando a noite acabou e a luz violenta e descarada do sol dissolve os corpos. A noite dissolve as almas enquanto uma voz nos fala seriamente das verdades que nos esperarão no futuro. Sensualidade que é desejo de esquecimento. Não a conhecemos, nunca a vimos e, no entanto, ela ficará para sempre connosco e atravessará todo o Atlântico para nos acompanhar, da mesma maneira que atravessou todo o Atlântico acompanhada do sarcófago do seu marido morto. As grandes alegrias são mudas. Quem é esta senhora, de belas mãos rapaces, cujos olhos nunca se fecham?
O Anjo da Destruição fala-nos do tempo marcado pelo bater de um coração que se quebra. Espero por estas duas sombras nos limites externos do mundo, ali onde as vozes não se calam nunca, onde as almas estão inflamadas e queimam mais do que brilham em todo o esplendor do seu glorioso ferimento. Aproxima-te de mim, deixa-me contagiar-te. Sombras que pairam pela casa, sombras que aparecem por detrás dos nossos olhos. Serenidade saciada maculada de repugnância, invocações e soluços abafados, imobilidade voluptuosa. Estas sombras são tão sensuais e abandonadas que consigo ouvir o som da terra movendo-se através do seu peso.




JOÃO GALRÃO

João Galrão (Sintra, 1975) vive e trabalha em Lisboa. Em 1996, concluiu o Curso de Conservação e Restauro do Património Edificado na EPRP de Sintra e em 2001 o Curso Avançado de Artes Plásticas do Ar.Co, Lisboa.
Desde 1996 tem apresentado vários projectos individuais, destacando-se Deadline, Galeria Graça Brandão, Lisboa, 2009; After Hours, The Chemistry, Praga, 2008; You are now in my dreams, Galeria Graça Brandão, Porto, 2006; Antes de Partir, Casa Triângulo, São Paulo, 2005; e Contratempo, Vera Cortês - Agência de Arte, Lisboa, 2005.
Entre as exposições colectivas que integrou contamse: Afrontamentos 5, Quase Galeria – Espaço T, Porto, 2009; Corredor 1, Estúdios SP Televisão, Lisboa, 2008 e Home Sweet Home, Centro de Arte S.João da Madeira, 2006. O seu trabalho está representado nas colecções do Centro de Arte Moderna da Fundação Calouste Gulbenkian, Fundação PLMJ, Colecção António Cachola e Colecção Bergé (Espanha).
MAURO CERQUEIRA

Licenciado em Artes/Desenho pela ESAP Guimarães, Mauro Cerqueira (1982, Guimarães) vive e trabalha no Porto.
Em 2005 integrou a GARBA - Giovani Artist Residenti in Basilicata, uma residência de jovens artistas em Itália. Desde então tem apresentado diversos projectos individuais, de que se destacam: Jim, Galeria Graça Brandão, Lisboa, 2010; Engoliu a espinha e foi operado para ser enforcado no dia seguinte, ARCO, Madrid (com curadoria de Adriano Pedrosa), 2010; Como passos num chão oco e escavado por baixo, Empty Cube, Galeria do IPT, 2009; Sua boca, aberta para gritar, estava cheia de terra, Kunsthalle Lissabon, Lisboa, 2009; Falling from Grace, The Mews, Londres, 2009 e A Festa do Fim do Mundo, A Sala, Porto, 2008.
Participou igualmente em várias exposições colectivas, a saber Prémio EDP Novos Artistas, Museu da Electricidade, Lisboa, 2009; MV / C+V, Centro Cultural Vila Flor, Guimarães, 2009; Tokyo Art Fair, Tóquio, 2008 e FIAV.07, Centre Culturel Pablo Néruda, Nîmes, 2007.


NUNO RAMALHO + RENATO FERRÃO

Nuno Ramalho (1975, Oliveira de Azeméis) e Renato Ferrão (1975, V. N. Famalicão) colaboram regularmente desde 2004. Desde essa data, têm participado em diversas exposições individuais Estúdio, Fundação Carmona e Costa, Lisboa, 2009; Nuno Ramalho por Renato Ferrão Renato Ferrão por Nuno Ramalho – Entrevista, Galeria Reflexus – Project Room, Porto, 2009; Impreciso, in.Transit, Porto, 2007; No Future, Galeria 24b, Oeiras, 2005; Imóvel, Salão Olímpico, Porto, 2004), assim como colectivas: Fiat Lux – Iluminación y Creación, MACUF, A Coruña, 2010; eNTRONCAMENTO, Espaço Avenida, Lisboa, 2009; Busca-Pólos, Pavilhão Centro de Portugal, Coimbra, 2006; Em Torno, Palácio de Cristal, Porto, 2006; Em Fractura – Colisão de Territórios, Fundição de Oeiras/ Hangar K7, Oeiras, 2005.
NUNO SOUSA VIEIRA

Licenciado em Artes Plásticas pela ESTGAD - Caldas da Rainha, Nuno Sousa Vieira (Leiria, 1971) vive e trabalha entre Leiria e Lisboa.
Em 2010 apresentou duas importantes exposições individuais no estrangeiro: Don’t underestimate the impact of the workplace, na Newlyn Art Gallery and The Exchange, Reino Unido, e Haben Gegenstände ein Gedächtnis?, na Hans Mayer Gallery, Alemanha, bem como um projecto na ARCO, Madrid, com curadoria de Adriano Pedrosa.
Ainda a título individual, protagonizou as mostras 3ª feira a Sábado - 11h às 20h, Galeria Graça Brandão, Lisboa, 2010; Chão Morto, Carpe Diem, Lisboa, 2009; To Draw an Escape Plan, Galeria Graça Brandão, Lisboa, 2009 e Redesenhar, Empty Cube, Lisboa, 2008.
O seu trabalho está representado em diversas colecções: CAV (Centro de Artes Visuais), Colecção Teixeira de Freitas, Colecção PLMJ, Colecção António Cachola, Câmara Municipal de Leiria, Colecção Paulo Pimenta e Colecção José Lima.


 
RUI CHAFES

Rui Chafes (Lisboa, 1966) vive e trabalha em Lisboa. Licenciado em Escultura pela Escola Superior de Belas- Artes de Lisboa (1984/89), estudou com Gerhard Merz na Kunstakademie Dusseldorf entre 1990 e 92.
Começou a trabalhar com ferro e aço em 1987, participando desde então em inúmeras exposições individuais e colectivas. Representou Portugal na XLVI Bienal de Veneza, com Pedro Cabrita Reis e José Pedro Croft, e participou na XXVI Bienal de São Paulo. O seu trabalho está representado em diversas colecções: Esbjerg Kunstmuseum, Dinamarca; Museum Folkwang Essen e Museum Würth, Alemanha; Museo Nacional Centro de Arte Reina Sofia, Espanha; Fundação Calouste Gulbenkian, Museu de Serralves e Museu Colecção Berardo, Portugal e S.M.A.K., Bélgica, entre outras.
Distinguido em 2004 com o prémio Sculpture Prize Robert- Jacobsen da Würth Foundation, na Alemanha, a actividade de Rui Chafes compreende a concepção e realização de diversos livros que acompanham o seu trabalho de escultura.