ExperimentaDesign Lisboa/Amsterdam
 
WARM-UP EXPERIMENTADESIGN LISBOA 2009

 
 
A apresentação em Lisboa de Peter Zumthor: Edifícios e Projectos 1986-2007, a primeira grande exposição deste arquitecto suíço, é o culminar de um projecto iniciado em 2006 com Peter Zumthor e com o Kunsthaus Bregenz e constitui, sem dúvida, um momento de grande significado para a Experimenta.

Abordando de forma sistemática o trabalho de um dos mais importantes nomes da arquitectura contemporânea, Peter Zumthor: Edifícios e Projectos 1986-2007 incide sobre o processo criativo e a complexa relação deste arquitecto com o tempo, os lugares, os ambientes e os habitantes dos seus projectos. É uma viagem imersiva e intensa à sua obra, um revelar subtil do seu modo de pensar e fazer arquitectura.

Apresentada em Lisboa na LXFactory, num edifício industrial centenário, local escolhido pelo próprio Peter Zumthor, a adaptação do desenho da exposição foi efectuada por Thomas Durisch que nos propõe um percurso que utiliza o edifício principal e parte do edifício adjacente. Durisch trabalhou cuidadosamente o espaço permitindo uma visão particular do mesmo e uma narrativa que, respeitando o desenho inicial de Bregenz, se relaciona com o contexto encontrado em Lisboa.

Peter Zumthor é um criador raro, único. No seu olhar e na forma como exerce a sua arquitectura, na contenção e profundidade dos seus gestos. Desenhando num movimento e ritmo próprios, sentimos em cada uma das suas obras o tempo que as guiou e o tempo que nelas existe e que lhes pertence. Citando Fernando Pessoa, poeta que Zumthor bem conhece, apetece dizer “Demora o olhar, e esquece que demoras o olhar...”.
 
 
A apresentação realizada no KUB cobre os edifícios e projectos de Peter Zumthor entre 1986 e 2007, incluindo materiais sobre o processo de desenho, esboços, modelos e planos pormenorizados, bem como uma instalação fílmica da autoria dos artistas Nicole Six e Paul Petritsch, que integra quase todos os edifícios concluídos durante aquele período. Peter Zumthor e Thomas Durisch, parceiro de longa data no Atelier Zumthor e curador desta parte da exibição, são responsáveis pela selecção e apresentação dos trabalhos no piso térreo e no terceiro andar.

A forma de cooperação fílmica entre artistas enquanto conceito fulcral da exposição foi um desejo expresso de Peter Zumthor. Foram propostos Six e Petritsch porque a sua abordagem se relaciona intimamente com as questões fundamentais da arquitectura. Os seus trabalhos são reconhecidos por consistirem em pequenas acções e intervenções, por eles documentadas em filme ou vídeo e encenadas como instalações. Já tinham realizado uma instalação fílmica para a exposição “Tu Felix Austria” no KUB em 2005. A gravação demorou seis dias, durante os quais Paul Petritsch permaneceu no terceiro piso vazio do Kunsthaus, filmando ao nível dos olhos e em tempo real através de seis câmaras de vídeo estáticas, apontadas em diversas direcções.

Six e Petritsch aplicaram este rigoroso conceito artístico na documentação e projecção de todos os edifícios de Zumthor. Uma vez mais, seis câmaras estáticas foram utilizadas e sempre com as mesmas distâncias. Uma vez mais, temos seis superfícies de projecção. Six e Petritsch abdicam dos habituais movimentos de câmara, edição e montagens. Cada edifício parece apresentar-se sem rodeios sobre seis superfícies de projecção durante 40 minutos reais, debaixo da claridade cambiante, rodeado de sons quotidianos e embutido na paisagem. Aquilo que o espectador vê está ligado ao seu movimento no interior da sala. As projecções encontram-se desfasadas, começando num dos pisos um novo filme a cada 20 minutos; desta forma, o espectador poderá experimentar todos os edifícios em quatro horas de tempo real.
 
 
“A arquitectura é música no espaço, como se fora música congelada”, escreveu Schelling, o filósofo romântico, uma declaração que reflecte o orgulho do mestre construtor que considera a sua vocação não apenas como a de um fornecedor de serviços. Sempre que a arquitectura conseguir estar à altura da sua orgulhosa linhagem partilhada com a música, deverá deixar atrás de si marcas visíveis de desenho que demonstrem a superioridade da razão ordenadora sobre o caos das formas naturais.

Os edifícios de Peter Zumthor nada têm de triunfal. Parecem desprovidos dos gestos de uma arrogância reprimida, da grandiosidade da prestigiada arquitectura contemporânea, desprovidos da urgência de ter de atrair a atenção geral no espaço público. Não que evitem timidamente algo que inspire o espanto. Nada disso. E certamente não lhes falta estilo pessoal e individualidade.

Quase todos se tornaram atracções visuais, destinos turísticos para os amantes da arte. A arquitectura de Zumthor é distinta, destaca-se da sua envolvência, e dispensa um gesto extravagante para se fazer notar. Está simplesmente ali, pungente, confiante, e como que se sempre ali tivesse estado - como se não pudesse ser de outra forma. Esta arquitectura é atravessada por um forte sentido de dignidade que inclui o respeito pela vulnerabilidade do local da construção, pela preciosidade dos materiais de construção. [...]

Com Peter Zumthor, damos por nós em espaços que querem na realidade ser espaços interiores, assinalando onde o mundo termina, que não fazem uso de enormes fachadas envidraçadas para fingir que dentro e fora são a mesma coisa, tirando a diferença de temperatura. Estas paredes são muito mais do que as paredes de um edifício; possuem a sua própria qualidade hermética, sem igual no contexto da arquitectura contemporânea. Mas não são herméticas no sentido que associamos ao cativeiro, não suscitam o instinto da fuga. É uma qualidade hermética que nos faz sentir em casa, seguros. É por esse motivo que, mesmo sem decorações, nos sentimos bastante à vontade nos três pisos da exposição do Kunsthaus Bregenz. Onde quer que estejamos, parece-nos o lugar adequado e não nos sentimos impelidos a abandonar o centro da sala para nos refugiarmos na segurança das paredes. Mesmo no centro, não nos sentimos abalados pelas proporções monumentais. [...]

Preciso ainda de encontrar a palavra certa para descrever a arquitectura de Zumthor. Em parte, ela envolve a indestrutibilidade das formas arcaicas de construção. Envolve a nobreza da laca japonesa. Envolve a certeza no uso de formas que se concentram perfeitamente nelas mesmas. Será “certa” a palavra certa? A arquitectura de Peter Zumthor: a contradição mais convincente ao desconsolo com que Adorno se recusou a admitir a vida certa na vida falsa. Onde existe o lugar certo, a vida não pode ser assim tão falsa.